Paulo Almeida, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral, discute os tipos e dimensões da liderança no contexto atual dos negócios
Inteligência de dados para RH: conheça o People Analytics
Com ajuda de códigos e algoritmos, a gestão de pessoas passa a ter embasamento em dados e modelo científico, mas sem deixar empatia de lado
Tradicionalmente, a área de Recursos Humanos costuma abrigar pessoas com formação na área de Ciências Humanas, de cursos como Psicologia e Ciências Sociais. Mas, há alguns anos, cada vez mais essa tradição vem sendo rompida, com engenheiros, matemáticos, cientistas da computação e outros profissionais egressos de cursos de Exatas. Mais do que apenas uma diversidade de pensamento, essa mudança também traz frutos muito interessantes para o setor de Pessoas, dando origem inclusive a novas áreas. Uma delas, que tem sido cada vez mais abraçada por grandes empresas e startups aqui no Brasil, é a de People Analytics.
Calma que a gente explica: é uma “metodologia que usa análise de dados para criar insights com relação as pessoas”, como diz o Eduardo Corazzin, que já foi head de People Analytics no iFood e hoje comanda a área de People Future na empresa. Até aí, parece algo comum a qualquer área que faz análises de dados, seja com planilhas, códigos ou algoritmos complexos, dentro de uma organização. Mas segundo Eduardo, tem uma diferença importante. “Pessoas costumam gerar dados com mais fatores de ruído que outras áreas. Uma análise pode detectar que uma pessoa está com performance abaixo do esperado, mas será que ela está com um problema pessoal? Aí é que entra People Analytics: é uma área que floresce quando você tem empatia e faz a junção da empatia com os dados”, explica o executivo, que se formou em Sistemas de Informação pela Unicamp.
“É uma área que floresce quando você tem empatia e faz a junção da empatia com os dados.”
Ou seja: em vez de confiar apenas na intuição e na experiência prévia, People Analytics é uma disciplina que busca organizar grandes volumes de informação para ajudar os gestores a entender tendências e fenômenos e, a partir deles, mesclar o conhecimento dos dados com a vivência na prática. E isso pode valer para diferentes questões: para entender porque tanta gente está saindo da empresa, para prever quais são os colaboradores com maior probabilidade de pedir demissão, saber como reduzir os vieses em uma avaliação de desempenho, ou entender se as promoções estão acontecendo de maneira proporcional para grupos diversos… entre muitas outras.
Para quem trabalha na área, é possível aprender e mudar muita coisa de valor se você olhar direito para as informações. No iFood, por exemplo, um dos projetos mais recentes da área de People Analytics foi uma mudança na avaliação de desempenho dos 6 mil funcionários da empresa. Antigamente, cada colaborador tinha de indicar cinco colegas para avaliá-lo – em um processo que, obviamente, era cheio de vieses.
Com o novo processo, porém, foi implementada uma análise de rede organizacional (modelo mais conhecido pela sigla em inglês ONA), na qual o sistema montado pelo time de PA conseguiu perceber quem eram os colegas mais próximos de uma determinada pessoa, a partir de dados como frequência de reuniões, quantidade de trocas de email e até o tamanho das conversas pelo Slack, sem precisar olhar para o conteúdo das mensagens. Na etapa final do processo, conta Corazzin, a área de dados ainda ajudou a compensar o viés das avaliações: “nós detectamos que a nota média das mulheres era 0.3 menor que a dos homens na avaliação dos colegas, então fomos lá e zeramos essa diferença”, diz.
Um passo por vez
Montar grandes análises e resolver problemas complexos, porém, não é algo que se deva fazer da noite para o dia. Na visão de Bruna Alessio, gerente de dados na Ambev Tech, o primeiro passo é entender qual é a pergunta que se quer responder. “Nem todo problema precisa de uma solução complexa: às vezes, para fazer analytics precisa só de Excel e um pouco de boa vontade”, diz a executiva, que mistura em sua formação um pouco das Exatas e das Humanas – é formada em Sistemas de Informação e em Psicologia. “Pra mim, People Analytics é uma chance que a gente tem de letrar as pessoas com informações pesquisadas, coletadas e tratadas, para que elas tomem as melhores decisões”, afirma.
Ênfase na coleta e no tratamento: depois de formular bem a pergunta, é preciso ir atrás das informações que podem ajudar a respondê-la. E para isso, é importante ter certeza de que os dados que serão utilizados na análise têm boa qualidade. “Se você só coloca lixo na análise, só sai lixo”, explica Corazzin. Já Bruna chama atenção também para o tratamento dessas informações – vamos lembrar que estamos falando de pessoas, com dados sensíveis. “É preciso tomar cuidado com o tipo de hipóteses que você usa numa análise pra não expor as pessoas ou tomar decisões apenas baseada nos dados”, diz a executiva.
Além disso, vale a ressalva: se a quantidade de informações for pequena (como pode acontecer em startups de estágio inicial ou empresas de pequeno porte), talvez usar análise de dados seja como “usar uma metralhadora para matar uma formiga”. Afinal, “a magia” de analytics acontece quando a quantidade de informações se torna grande demais para ser interpretada “a olho nu”.
Para Victor Mazzoli, People Analytics Lead no Nubank, é importante também saber explicar as intenções e o resultado da área com calma. “Muitas vezes, quem está em People Analytics costuma fazer gráficos complexos, relatórios cheios de informações, coisas que são difíceis de serem absorvidas. Menos é mais: é melhor usar um gráfico simples para mostrar o impacto de uma análise”, afirma. Segundo ele, é importante também pensar em como a área de People Analytics não se torna um mero suporte. “O RH costuma ser dependente de bons relatórios, então é importante pensar em como produtizar o acesso às análises, para que cada um possa achar o que quiser”, explica.
Formado em Administração, ele tem uma trajetória de carreira que mostra o quanto a metodologia ganhou em popularidade nos últimos anos: desde 2016, ele trabalha com People Analytics, já tendo passado pela BASF e pela Johnson & Johnson, antes de chegar ao Nubank. “Quando comecei, só tinha eu e mais uma pessoa no LinkedIn no Brasil que usavam esse título, não tinha ninguém para perguntar”, diz. Ao chegar no Nubank, há sete meses, o time cabia nos dedos de uma mão. Agora, a área já passa de 20 colaboradores.
Mas, para ele, mesmo com um time grande e já estabelecido, é importante não viciar na ideia de fazer grandes sistemas para resolver um problema. “Por mais que análises complexas sejam legais, às vezes fazer uma regressão estatística simples ou um teste A/B já gera muitas ideias”, diz Mazzoli, que também recomenda uma regra básica para qualquer empresa. “Uma análise só deve ser feita se for gerar uma ação posterior. E quem receber essa análise precisa estar preparado para lidar com os resultados”, explica.
“Uma análise só deve ser feita se for gerar uma ação posterior. E quem receber essa análise precisa estar preparado para lidar com os resultados”
Dificuldades e futuros
Tanto Eduardo quanto Bruna e Victor são unânimes ao falar sobre o maior problema de People Analytics hoje em dia: é importante não confundir uma análise de dados com automatização de um sistema – o que pode ajudar uma empresa a continuar agindo da mesma forma que sempre agiu. “Todo algoritmo que automatiza uma decisão perpetua comportamentos passados, então é importante agir com cuidado”, diz o executivo do iFood. “Todos os algoritmos que usamos em People Analytics têm recortes raciais, por região, por gênero e até por origens de estudo para saber se não estamos carregando algum viés.”
Mais do que isso, vale lembrar que é importante educar as pessoas que vão utilizar essas análises a fazer as perguntas corretas e entender o contexto nos quais elas se encaixam. “Se um sistema identifica que metade dos funcionários da área está trabalhando abaixo do esperado, o gestor precisa entender como esse sistema foi criado – até para saber quem está com performance insatisfatória e quem está passando por um problema”, explica Bruna.
Outra dificuldade do setor, diz ela, é a competição por profissionais: ao lidar diretamente com dados, código e algoritmos, People Analytics entra na tão falada disputa por desenvolvedores, cientistas de dados e outros postos altamente requisitados. Para ela, quem quer começar uma área com a metodologia numa empresa precisa ter cabeça aberta. “Não existem profissionais prontos ainda: o ideal é trazer alguém que tenha uma cabeça mais analítica e ensinar o que for preciso, até porque Gente e Gestão é uma área com muitas especificidades”, afirma.
Em uma área acostumada a fazer previsões, talvez a primeira predição seja justamente essa: o mercado vai ficar ainda mais disputado, até porque cada vez mais empresas estão adotando People Analytics. A segunda também parece óbvia: com cada vez mais insights inteligentes nas mãos, a meta é de que o RH seja não só uma área operacional, mas também analítica, capaz de destravar valor e interferir diretamente nos negócios da empresa. Não é algo muito inesperado, dada a importância crescente dos talentos dentro das organizações.
Mas há quem se arrisque em um cenário ainda mais elaborado para o futuro – como é o caso de Eduardo Corazzin. Para ele, o caminho para People Analytics é se tornar uma ferramenta pessoal para qualquer colaborador, ajudando as pessoas a trabalharem melhor apoiando até mesmo em tarefas pequenas, como a gestão de agenda.
“Hoje, a gente sabe que uma agenda lotada de reuniões pode afetar bastante a produtividade. Um gestor não consegue olhar para a agenda de cada funcionário e checar isso, mas um robô pode estar ali e sugerir que o colaborador não marque tantas coisas num mesmo dia”, projeta. “Cuidar do bem estar das pessoas deveria ser uma prioridade de People Analytics, permitindo que cada um seja sua melhor versão.”
Ficção científica? Cenas dos próximos capítulos…
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