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Como estruturar um programa de colaboradores influenciadores, com Carolina Terra, professora da USP

Pesquisadora lançou recentemente o livro De Funcionários a Influenciadores, que traz contexto e conselhos para organizações aproveitarem equipes como porta-vozes nas redes sociais; para especialista, sistematizar ajuda a prevenir crises e colher resultados

Bruno Capelas
11 de setembro de 2025
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Usar as redes sociais para falar do trabalho, comunicar uma promoção ou até mesmo contar de um evento realizado pela empresa na semana anterior há tempos não é algo novo. Mas, para muitas organizações, saber como aproveitar a força dos colaboradores como influenciadores ainda é um desafio. Para quem quiser saber como começar, uma boa dica é o livro De Funcionários a Influenciadores, lançado recentemente pela editora Summus, com autoria da professora e pesquisadora da USP Carolina Terra.

Baseado no mais recente projeto de pesquisa da especialista, o livro não reúne apenas dicas e passos importantes para qualquer profissional de RH estruturar um programa de influência corporativa. Vinda da área da Comunicação, Carolina também auxilia os leitores a compreender as diferentes nuances das conversas nas redes sociais – e saber que benefícios podem ser colhidos de uma atuação ativa nas mídias digitais. 

Em entrevista a Cajuína, Carolina explica como o trabalho surgiu e de que maneira os influenciadores podem auxiliar as empresas em aspectos como marca empregadora ou gestão de crise. Ela também fala sobre temas complicados nessa relação, como remuneração, cultura, hierarquia e inteligência artificial. 

Se a cultura for fechada, punitiva, hierárquica, não adianta estimular o colaborador a se tornar influenciador, porque as pessoas não vão querer fazer esse papel.

A seguir, confira os principais trechos da entrevista. 

Carolina, para começar com contexto: como você começou a pesquisar a influência corporativa? 

Pesquiso influência desde 2018, mas desde sempre olhando para a influência corporativa – na época, já se entendia que o influenciador digital tem um espaço e uma função. Na época, eu queria entender se as marcas conseguiam ser influenciadoras, com uma narrativa organizacional, o que deu origem ao meu livro Marcas Influenciadoras Digitais. Ali, desenhei um ecossistema da influência corporativa digital e entendi a presença dos colaboradores e das lideranças que estão nas redes sociais.

Nesse momento, eu já percebia a potencialidade de se entender o colaborador como uma possibilidade de influência. É algo que serve tanto para marca pessoal quanto para marca corporativa, porque todos têm um sobrenome corporativo, “pendurado” em uma organização. Percebi que havia uma relação de ganha-ganha para quem quisesse fazer esse trabalho, ao mesmo tempo que trazia benefícios para a marca empregadora, humanizando as empresas. É algo que estudo desde 2021, que se desdobrou no livro De Funcionários a Influenciadores

Qual é a diferença entre uma marca influenciadora e um colaborador influenciador? O que surge, por exemplo, de disparidade entre a Lu do Magalu e a executiva de RH do Magalu? 

É importante dizer que não são estratégias que se substituem – ambas podem existir na organização. A principal diferença é que no influenciador próprio, a narrativa é mais controlada pela marca. A Lu do Magalu, como você citou, sabe exatamente o que vai falar, com que forma, com que tom de voz. Quando se abre esse escopo para os colaboradores, a marca está sujeita a uma miríade de pontos de vista. É óbvio que se pode dar capacitação, falar de conduta e de tom de voz da marca, mas o cenário é diferente: o colaborador nunca vai falar uma linguagem tão corporativa quanto à da marca. Ele dá o toque pessoal, fala da vivência do dia a dia dele, da experiência própria; já a marca tem o compromisso com a mensagem-chave da organização. 

Antes de avançar, tem outra dúvida importante: no que a Lu do Magalu se difere, por exemplo, do Garoto Bombril ou do Baianinho das Casas Bahia, por exemplo? 

O Garoto Bombril é um garoto propaganda. A Lu é mais do que isso: ela é uma porta-voz da marca. Ela fala das causas e bandeiras que a empresa levanta, faz um papel comercial e ao mesmo tempo se associa à marca. Ela absorve papéis mercadológicos e institucionais – algo que os mascotes e garotos propaganda não tinham. Além disso, a Lu está envolvida no serviço de atendimento ao cliente. É interessante você citar o Baianinho como exemplo, porque ele teve uma transição: foi de mascote a influenciador 3D, e hoje ele faz esse papel também de dialogar com o público jovem ou usar uma linguagem informal – algo que as Casas Bahia não faziam antes. 

Os líderes sempre foram porta-vozes das empresas. Como os colaboradores começam a se tornar porta-vozes e influenciadores? 

Tudo isso emergiu com as mídias digitais – e a presença das pessoas nelas. Quando temos a possibilidade de qualquer pessoa ter um perfil nas redes, automaticamente ela se torna um porta-voz não oficial. Quando surge uma rede de caráter profissional como o LinkedIn, a qual as pessoas falam onde trabalham, isso se torna ainda mais forte. É quando o papel do colaborador influenciador emerge – e aí as empresas notaram que se começassem a sistematizar e estruturar esse esforço, seria melhor, porque o risco de ter uma crise ou uma fala sensível seria menor. 

Para empresas que não tem esse esforço estruturado, como começar? 

O primeiro passo é fazer uma autoanálise: a cultura da empresa é aberta o suficiente para que as pessoas se sintam à vontade para falar? Se a cultura for fechada, punitiva, hierárquica, não adianta estimular o colaborador a se tornar influenciador, porque as pessoas não vão querer fazer esse papel. A cultura tem que permitir. O segundo passo é entender como sistematizar isso, porque o colaborador pode influenciar em diversos vetores: da porta para dentro, da porta para fora ou os ambos. Da porta para dentro, os colaboradores podem ser embaixadores da comunicação, representando a empresa para os colegas. Já o caminho da porta para fora é mais recente, é o que vemos agora. É importante as empresas saberem também que não vão controlar absolutamente tudo o que as pessoas vão falar, de maneira que é preciso instrumentalizá-las da melhor forma possível.

O primeiro passo é falar dos códigos de conduta que muitas empresas já possuem. Outro é criar um plano, uma política de participação nas mídias sociais – explicando, por exemplo, o que a pessoa pode contar. Ela pode falar do cargo? Dos bastidores? Explicar o que é informação sensível, o que é informação confidencial. Quando eu trabalhei na Garoto, eu vivi uma situação delicada: estávamos num treinamento para o lançamento de uma nova linha do Batom e um colaborador do chão de fábrica, por puro orgulho de pertencer, tirou uma foto e publicou no Facebook dele. Foi um quiprocó, porque acabou afetando toda a estratégia de lançamento do produto. É um caso que eu sempre lembro sobre a importância de martelar o que pode ou não ser divulgado. 

Você comentou sobre um caso de algo positivo. Mas como preparar os colaboradores para eventos negativos, como uma crise ou um resultado ruim nos números?

É preciso ter estratégia. Nesse caso, acho que o primeiro passo é sempre informar o público interno. As pessoas já vão ser questionadas em qualquer lugar que forem – numa reunião de família, no mundo offline. O online só amplifica isso. É importante que as empresas trabalhem em posicionamentos, direcionem as pessoas: “se receber uma pergunta, fala isso ou endereça para tal canal”. Não tem jeito: é preciso gerir a crise. Mas ao mesmo tempo, o colaborador influenciador pode ajudar: ele faz parte de um exército de gente que pode ser utilizado pelas empresas para gerir a crise, até como medida de transparência. 

Muitos programas de colaboradores influenciadores dão a impressão de serem hierárquicos, com mensagens padrão feitas pelo marketing ou pelo RH – e replicadas nas redes. Isso não é influência, não tem expressão do colaborador ali. Como evitar essa aparência? 

Isso reforça o que comentei sobre a cultura das empresas. É preciso ter uma cultura aberta para propiciar a liberdade para as pessoas – porque com a liberdade de exercer o papel, o colaborador saberá o que pode fazer. Se ele vai num evento externo, pode fazer uma cobertura representando a empresa. Ou se ele leu um livro, ouviu um podcast, tem uma situação que pode ser compartilhada, tudo ele vai saber o que fazer. Instrumentalizar e capacitar é o caminho. Agora, quando você tolhe e cerceia, falando exatamente o que tem que ser falado, isso é percebido pelo público.

O ideal é estimular: “ó, essa é uma situação legal de compartilhar”, mas sempre permitindo que as pessoas deem seu toque pessoal. Cada um sabe o que funciona na sua rede – e em diferentes redes. Fui dar um treinamento recentemente para uma empresa cujo programa era focado no LinkedIn. Um dos colaboradores falou: “ah, mas meu perfil no Instagram rende mais que o LinkedIn. Posso fazer por lá?”. E a resposta da empresa foi: “nosso programa é no LinkedIn, mas se você entende que o Instagram funciona, manda ver”. É um perfeito exemplo de dar a liberdade para a pessoa ser quem ela é. 

Em muitos casos, publicar sobre o trabalho acaba sendo uma nova demanda dos colaboradores. Há quem acredite que as empresas deveriam remunerá-los por isso. Como lidar? 

Esse é mais um ponto que reforça a importância de sistematizar esse trabalho: para que as empresas criem mecanismos de reconhecimento. São eles que vão garantir que as pessoas queiram fazer parte – senão, vai chegar um momento em que elas vão questionar o que estão ganhando com esse esforço. Claro, há quem pense na construção de marca pessoal. Hoje, já há casos de que pessoas influenciadoras acabam tendo privilégio numa promoção. Mas a empresa precisa pensar nesse aspecto do reconhecimento. A remuneração salarial é algo complexo, uma vez que isso configura dupla função – o que não é possível pela CLT. Mas é possível pensar em bônus, programas especiais, benefícios. Existem inúmeras formas de reconhecer um colaborador. 

Outra dificuldade no universo de redes sociais é a mensuração – isto é, como saber o retorno do investimento que o RH fará ao estruturar esse programa. Como medir os resultados? 

Não dá para ter uma noção do retorno e dos resultados sem ferramentas apropriadas – de social media, de social listening – e de métricas-chave – os tão falados KPIs. Será preciso entender o alcance das mensagens, o que outras pessoas falaram, se isso chegou na mídia, se gerou buzz. O primeiro passo vai ser olhar para o que chamamos em comunicação de métricas de vaidade, como visualizações, impressões, cliques, comentários, compartilhamentos. Mas não basta: é preciso passar também pela visibilidade, que pode ser medida numa pesquisa de clima interno, em favorabilidade da imprensa ou da opinião pública. Mas não dá para deixar de lado as ferramentas.  

Quando se pensa em influência corporativa no Brasil, o LinkedIn é quase um sinônimo. Mas em que outras redes os colaboradores estão atuando? 

Em todo lugar! Mas tem um lugar que é muito forte e pode passar fora do radar: o TikTok, especialmente para a audiência mais jovem. As gerações mais novas, nativas digitais, passam absolutamente o dia todo nessa rede social e fazem praticamente um livecast da vida deles – o que inclui o trabalho, claro. Eu adoro acompanhar uma hashtag no TikTok, que é o #corporatetiktok, em que as pessoas dividem o dia a dia delas no trabalho. É algo que as empresas também precisam considerar nos seus programas. 

Em meio a tudo isso, há uma novidade que mexe demais com a produção de conteúdo: a IA. O quanto a IA já está mudando essa discussão?

A IA traz uma sobrecarga de conteúdo. Muita gente pensa: “preciso estar visível, preciso gerar conteúdo, então vou gerar com IA”. Há um encanto com as potencialidades da tecnologia. Mas a maior parte do conteúdo é extremamente pasteurizado. É preciso saber como usar a IA. Não sou radical, acho que é uma ferramenta útil, especialmente para brainstorms, para direcionamentos. Mas é preciso que as pessoas deem seu toque ao conteúdo. É isso o que o público quer ver: autenticidade, originalidade, proximidade. Nós ainda estamos sentindo para onde essa revolução vai – e é importante ter essa visão crítica. Eu discuto muito a questão da autoria: se você fez algo com IA, aquilo é seu ou é da IA? E acho que isso é importante nesse cenário de colaboradores influenciadores. É importante valorizar o que alguém se deu ao trabalho de fazer.  

Para fechar: qual o principal conselho que você dá ao profissional de RH que precisa cuidar desse tema? 

Os colaboradores já estão nas redes e já estão falando da empresa, do trabalho. Então, é importante sistematizar e estruturar – até para poder aproveitar esse engajamento de maneira estratégica. É aí que o trabalho do RH tem que começar. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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