André de Almeida, filósofo e professor da Fundação Dom Cabral, propõe uma reflexão sobre o significado de propósito e como ele deve estar inserido no universo de liderança e ambiente corporativo

À frente da diretoria de Total Rewards da Pepsico no Brasil, a executiva Nadja Aki Minami tem uma série de grandes estatísticas para administrar. São 12 mil funcionários, divididos entre Y e Z localidades, responsáveis por produtos de marcas como Quaker, Toddy, Elma Chips ou Gatorade. Tão impressionante quanto é saber que a empresa hoje possui 44 benefícios diferentes – sendo que a maioria deles está disponível para todos os colaboradores. Entender o que gera ou não valor para o time e a organização é uma das tarefas de Nadja, que se formou em Administração e já passou por empresas como Natura e Symrise.
“Hoje temos um olhar sobre os grupos para compreender como podemos dar benefícios e, ao mesmo tempo, alinhar os custos versus o valor. O RH precisa entender se o que entrega vai diferenciar a percepção do colaborador. Às vezes, as necessidades não são as mesmas, porque cada um está num estágio de vida”, ressalta a executiva, que voltou ao Brasil há um ano, depois de uma temporada no México, liderando uma equipe multigeracional e multicultural.
Foi um aprendizado não só liderar, mas também me adaptar à cultura de cada um para fazer o time operar.
Na entrevista a seguir, Nadja repassa sua trajetória no RH e a evolução da área de remuneração e benefícios, revela a importância da flexibilidade no setor e pondera como a geração Z tem se portado no mercado de trabalho. “Eles têm buscado as mesmas coisas que as outras gerações, mas de uma forma diferente. O jovem quer dinheiro, mas numa velocidade diferente do que outras gerações, com expectativa de movimentação e de aumentos salariais mais rápidos”, diz. Confira os principais trechos da entrevista.
Estudei a vida toda em escola pública e queria ser enfermeira. Não passei na USP nem na Unifesp, e aí ia precisar pagar a faculdade para poder estudar. Decidi então fazer Administração, um curso que eu poderia trabalhar durante o dia, pagar minha faculdade e estudar à noite. Se Enfermagem fosse mesmo meu sonho, depois eu faria. O que aconteceu é que depois uma amiga minha fazia estágio em RH. Eu morava na Zona Leste, o estágio era no Socorro, mas entrei mesmo assim – e a primeira coisa que eu fiz foi benefícios. Na época, a gente entregava vale transporte, então minha rotina era separar o vale, fazer controle de ponto e jornada. Em resumo, fui trabalhar no RH porque queria pagar minha faculdade.
Acho que minha resposta vai ser diferente do que todo mundo fala, “ah, eu gosto de pessoas”. A verdade é que eu continuei em remuneração e benefícios ao longo da carreira – era a área do meu primeiro estágio na Pepsico, há quase duas décadas. E em remuneração, você discute muito o tema de estruturas salariais e é preciso avaliar o negócio para fazer avaliação de uma posição. Como eu tinha muita facilidade com números, eu acabei me sobressaindo e meu chefe me levava para as reuniões para conhecer mais sobre negócios e estratégia. Acabei gostando e fiquei no RH com esse olhar em remuneração minha carreira toda, seja no Brasil ou no México, de onde voltei há um ano para assumir essa posição de diretoria olhando para remuneração e para benefícios.
Durante muito tempo, soube que ter uma experiência internacional ia me agregar muito como profissional, mas não sabia que ia agregar tanto no pessoal. A história é que tivemos uma mudança para um modelo de hub de serviços compartilhados na América Latina e as atividades mais operacionais de remuneração foram enviadas para o México em 2022. Quando isso foi criado, fui convidada para assumir uma das posições e liderar modelos de remuneração variável em todos os países da região. Profissionalmente, visitei todos os lugares que a Pepsico atua, para entender que fatores comportamentais fariam as pessoas venderem mais ou não. Todo mês eu estava no aeroporto – e eu achei que gostava de viajar, mas não gosto tanto assim. Além disso, fiquei um ano em Monterrey e oito meses na Cidade do México. Mas a experiência mais marcante é que eu tinha um time que vinha de seis países diferentes e nove cidades. Foi um baque: além das culturas, havia também gerações diferentes, de quem estava com 20 anos ainda deslumbrado em começar a trabalhar, até um grupo na faixa dos 35. Foi um aprendizado não só liderar, mas também me adaptar à cultura de cada um para fazer o time operar. Aprendi que nós brasileiros somos muito diretos, os argentinos também, mas o colombiano e o guatemalteco não. Eles me achavam dura por ser direta. E eu precisei fazer uma adaptação na linguagem, entender como cultivar relações diferentes. Acho que deu certo: não só eles tiveram oportunidades diferentes quando tomei a decisão de voltar, quanto não tive turnover na minha equipe nesse período.
Quando o tema é salário, acredito que todos os países da América Latina tem demandas bem parecidas. Às vezes alguém me cobra que a resposta da pesquisa de clima para salário é que as pessoas não estão satisfeitas. É uma pergunta delicada, mas ninguém está satisfeito com o salário. Por outro lado, quando se olha para os benefícios, as necessidades das pessoas são iguais, mas culturalmente os países têm costumes e propostas diferentes. No Brasil, existe um plano de saúde que tem cobertura geral. Já no México, costuma-se oferecer seguro saúde. Fiquei doente lá e todo mundo me mandou ir na farmácia, não no hospital. Existe uma diferença cultural que modela os benefícios. De maneira geral, a América do Sul se assemelha ao Brasil, enquanto o México e a América Central se parecem mais com os EUA.
Para mim, o RH passou por diversas fases diferentes. Na primeira, o RH precisava suprir o básico, quando pensamos na pirâmide de Maslow: pagávamos um salário, entregamos um vale transporte, e se possível, um vale refeição. Era um RH assistencialista. Na sequência, as empresas começaram a querer se diferenciar, em um cenário de guerra de talentos. Era uma época em que todos queriam saber o que o mercado estava praticando. A Pepsico fez parte desse movimento: hoje temos 44 benefícios que oferecemos para nossa população. Agora, depois de oferecer tudo, hoje temos um olhar sobre os grupos para entender como podemos dar benefícios e, ao mesmo tempo, alinhar os custos versus o valor. O RH precisa ter um olhar para entender se o que entrega vai diferenciar a percepção do colaborador. Às vezes, as necessidades não são as mesmas, porque cada um está num estágio de vida.
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Muitos vetores nos levaram a novos modelos de operar. A pandemia foi um: muitas empresas passaram anos tentando implementar flexibilidade e home office, mas quando a pandemia começou, nos vimos obrigados a ir para esse sistema com o pessoal do escritório – a linha de frente precisou continuar. Outra mudança é o avanço tecnológico: eu comecei a trabalhar com máquina de escrever e álcool no mimeógrafo, depois fui para o Word e hoje, se precisar, trabalho no telefone, basicamente. A tecnologia também traz mudanças de comportamento e auxilia nessa flexibilidade, mas impacta a questão também da saúde mental. Sinto que é uma questão de fluxos: a pandemia nos levou para casa, mas depois a organização sentiu que era preciso se relacionar, era preciso voltar ao presencial. A Pepsico é uma empresa de relações, nós brasileiros precisamos do cafezinho, é algo importante para quem é novo na companhia. No fim das contas, são fases que vivemos e refletem o ambiente.
É importante ressaltar que, dos 44, apenas um punhado não é para todos os colaboradores – como carro executivo, por exemplo, ou refeição na fábrica no lugar de VR. Os outros trinta e tantos são para todos os colaboradores, muito num resultado daquele boom de tentar oferecer tudo para todos. E nem sempre todos os benefícios são utilizados. Como área, meu primeiro passo é trabalhar na educação do colaborador. Nós mandamos até fazer ímãs de geladeira para que o conhecimento dos benefícios cheguem à família das pessoas. Não é sobre ser boazinha, mas sim sobre fazer valer o investimento. Quero que quando o colaborador pensar na gente, ele não pense só no salário, mas também no VR, no VT, no programa de fertilidade, na licença paternidade, no plano de saúde, na gama de benefícios que fazem o dia a dia dele e da família melhor.
Desde que eu voltei para o Brasil, começamos uma campanha de “start”, “stop” and “continue”. Ou seja: ver o que para, o que deve começar e o que continua. Fizemos pesquisa de necessidades do funcionário, entendendo as preferências, as necessidades e o que faz o colaborador ficar na Pepsico. É engraçado: nessa pesquisa, identificamos que a pessoa ficava pela cultura da empresa, pela carreira, pela marca da Pepsico e pelo ambiente de trabalho. Um dos últimos fatores que apareciam era o salário. Além disso, na pesquisa separamos as pessoas em alguns grupos, como talentos potenciais, top talents, mulheres e grupos populacionais, como vendas, operações e posições executivas. Fizemos entrevistas para entender as necessidades e os desejos de cada um desses grupos – e a partir disso geramos ações. Um exemplo bacana: para o grupo de operações e plantas, havia um desejo de ter previdência privada. O que fizemos? Revisamos o plano, o estatuto e passamos a oferecer para todos os colaboradores, independentemente do nível salarial. Além disso, fizemos a campanha do dobro: se o colaborador aplica R$ 50, nós aportamos R$ 100. Isso impacta a operação da linha de frente. Além disso, percebemos também que dependendo da localidade, as necessidades são diferentes. Um exemplo: telemedicina é algo que teve um boom e caiu recentemente, mas se olharmos localidades sem hospital próximo, o uso é alto. As colaboradoras mães também usam muito. A discussão por trás do benefício não é o desuso, mas gerar uma diferenciação de acordo com o estágio de vida e a necessidade de cada colaborador. Não basta fazer igual para todos.
Eles têm buscado as mesmas coisas que as outras gerações, mas de uma forma diferente. O jovem quer dinheiro, mas numa velocidade diferente do que outras gerações, com expectativa de movimentação e de aumentos salariais mais rápidos. Eles também querem benefícios diferenciados: ficam maravilhados com congelamento de óvulos, mas esperam o plano de saúde. Ao mesmo tempo, também usam coisas que outras gerações não usam tanto, como convênios e descontos. Além disso, já questionam porque não damos dinheiro para transporte em vez de carro, por exemplo. Mais uma vez, o pedido vem muito mais para flexibilidade em vez da necessidade.
O desafio é saber como o RH se adapta a tudo isso e cria coisas novas para gerar engajamento, dentro do escopo das necessidades diferentes das pessoas, sem deixar o resultado do business cair.
Vejo uma mudança de perfil que acontece nas empresas, alinhada com a entrada de uma geração nova cheia de anseios e necessidades. Temos também uma liderança que começa a assumir novos papéis. Antes, precisava só executar. Hoje, precisa ser líder, mentor, executor e estrategista. O desafio é saber como o RH se adapta a tudo isso e cria coisas novas para gerar engajamento, dentro do escopo das necessidades diferentes das pessoas, sem deixar o resultado do business cair. Nesse sentido, a tecnologia tem um papel fundamental. Espero que ela deixe o tempo livre para que as pessoas possam cuidar cada vez mais das tarefas de gestão, possam cuidar da estratégia. Cada vez mais, vejo que o profissional não é uma pessoa só. Ele precisa ser multifuncional, igual o mundo está hoje.
Eu escuto muito os podcasts da HBR e do TED Talks, mas, para mim, o mais importante é a comunidade de RH, é participar das trocas. Ouvir um podcast traz insights, mas quando você vivencia a área, você pode ter muito mais das conversas que tem na comunidade, em um processo de co-construção muito importante. É importante sair da caixa como profissional.
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