Filipe Ducas explora como o turnover afeta diretamente os resultados financeiros das empresas e destaca a importância estratégica dos colaboradores e do engajamento para construir organizações sustentáveis e lucrativas
Diversidade nas empresas: como ir além das vagas afirmativas
Uma conversa com Sophie Secaf, Cofundadora e CMO da Z1; e Glenda Moreira, Head de Diversidade da Amazon e fundadora da consultoria Ikigai
Na minha empresa existe diversidade, sim, temos até vagas afirmativas abertas…”.
Se você trabalha no mercado corporativo, provavelmente já leu ou ouviu frases parecidas com essa. Isso porque, felizmente, diversidade é um tema que está em pauta em grande parte das organizações e muitas delas começam justamente abrindo oportunidades de emprego para grupos minorizados. Só que…às vezes param por aí.
Uma pesquisa realizada recentemente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, mostra que 87% dos entrevistados afirmaram que suas empresas desejam ser reconhecidas pela diversidade. Mas, como nem tudo é perfeito, o número cai para 60% quando perguntados se elas vão além das vagas inclusivas.
Não precisa ir muito longe para imaginar o motivo: criar programas de inclusão ou planos de carreira e desenvolvimento de talentos de grupos minorizados exige tempo, recursos e planejamento. Não basta atraí-los, é preciso pensar em como retê-los e proporcionar a melhor experiência possível, mas nem todas as empresas estão preparadas. Ou, olhando por outro lado, nem todas as empresas sabem por onde começar.
Foi pensando nisso que escolhemos falar sobre Diversidade no nosso primeiro episódio do podcast Papo Cajuína, e trouxemos duas convidadas que fazem um trabalho incrível sobre o tema: Sophie Secaf, Cofundadora e CMO da Z1, conta digital para adolescentes; e Glenda Moreira, Head de Diversidade da Amazon e fundadora da consultoria Ikigai.
A seguir, inspire-se com alguns destaques da conversa e escute o episódio completo aqui.
Como começar da melhor maneira possível a ir além das vagas afirmativas?
GLENDA: O primeiro passo é arriscar de maneira estruturada. As empresas começam achando que é bonitinho, que vai dar retorno, que as pessoas vão gostar da marca. Muitas começam a escorregar porque nem sabem do que estão falando. É mudança cultural, não é apenas processo.
Uma ação afirmativa não pode ser só o recrutamento. É como você faz a divulgação, como faz a sua comunicação ser inclusiva. É planejar: depois que colocou a pessoa para dentro, você faz o que com ela?
Eu ouço muito “ai, mas esse povo de diversidade não performa”. Gente, é difícil, cara. A pessoa levou porta na cara o dia inteiro, foi seguida no shopping…Cada projetinho que eu conquistava, eu vibrava muito, porque eu não estava mudando só uma empresa, estava mudando uma sociedade.
SOPHIE: Tem que ser algo 360º. Na Z1, tivemos a chance de começar olhando para diversidade desde o primeiro dia e fazemos questão de que isso esteja presente na cultura e na nossa rotina. A gente fala que “todes são agentes da diversidade”, começando pelo fato de que usamos linguagem neutra tanto para fora quanto para dentro da empresa, e isso já como uma maneira de inclusão. E também tem a questão das metas, que vão além das vagas afirmativas: temos programas, projetos, planos, conversas…
Estamos em um país onde a maioria das pessoas minorizadas não teve acesso à educação da mesma forma que pessoas brancas privilegiadas, de classe média e por aí vai. Eu gosto muito de olhar para a palavra empatia quando a gente está falando sobre estruturar um plano de diversidade. Empatia também significa praticar a escuta, então é entender quais são as limitações estruturais que a sociedade impôs por tanto tempo.
Um exemplo é que na Z1 a gente fez a escolha de não exigir inglês ou ensino superior completo. Não adianta nada você falar que as vagas são para pessoas minorizadas e exigir inglês fluente, faculdade, MBA em Harvard. A gente vê muito isso acontecendo no mercado e a pessoa não entendendo o cerne dessa questão e acabando só recrutando, “roubando” as pessoas minorizadas que já estão capacitadas no mercado de trabalho.
Isso não é a real inclusão, é talvez apenas melhorar os números da empresa, melhorar o quadro de diversidade.
A real inclusão é aquela que sai da empresa e que, como a Glenda falou, planta uma semente no mundo, capacita pessoas, dá oportunidades. É preciso fazer concessões de não ter as pessoas mais bem capacitadas da forma que o mercado sempre enxergou.
Sophie, os números da Z1 impressionam: as mulheres, cis e trans, compõe mais de 66% da equipe; e as pessoas pretas e pardas são a maioria, sendo quase 57% do total. A Z1 também tem 19% de pessoas trans. Como vocês fazem para atrair esses talentos? Existe alguma estratégia diferente?
SOPHIE: A gente começou na verdade com todas as vagas exclusivas para pessoas pretas, pardas, trans e mulheres, traçando metas e sendo muito incorruptíveis com elas. As pessoas falam “ai, mas então não tem pessoas brancas na Z1?” Tem, inclusive você vê nos números que não é 100%. Chegamos nesses dados batendo muito nessa tecla, fazendo também metas por área, senioridade e etc. Eu acho que foi muito mérito do nosso time de cultura e pessoas mesmo. Nós usamos coletivos parceiros – existem muitos incríveis por aí que ajudam a propagar essas vagas –, como por exemplo o TransEmpregos e a Olabi, que faz um trabalho incrível com mulheres pretas na tecnologia. E também temos pessoas que estão afim de ajudar nessa missão, porque na verdade é uma questão coletiva, né, não é uma questão única da empresa que está tentando melhorar os números.
Nós postamos em diversos canais e tem muitos grupos incríveis de pessoas minorizadas também que não chegam a ser empresas parceiras, e sim comunidades, como mulheres em produtos, mulheres em tech, pessoas pretas que codam e por aí vai.
O boca a boca também ajuda tanto na atração quanto na retenção. Não adianta nada você contratar pessoas e não criar um ambiente legal. Na Z1 temos vários programas para esse fim, como bolsa terapia específica para pessoas minorizadas, por exemplo. Temos outro programa chamado Retifica Z1, em que pagamos para que qualquer pessoa trans do time possa transformar seu nome social em civil e, além disso, levar um amigue de fora da Z1 junto. Conversando com essas pessoas, a gente entendeu que tem muitas pessoas que não retificam porque existem muitos casos de transfobia quando você vai para um órgão público. Nosso país é extremamente transfóbico, o que mais mata pessoas trans no mundo, então essa ideia também de poder levar um amigo de fora não é só sobre plantar uma sementinha na sociedade, também não é sobre melhorar os nossos números internos, mas sobre dar oportunidades.
A gente roda uma pesquisa de NPS só de diversidade na Z1 para entender a opinião de todo mundo sobre esse tema, se a gente de fato está tratando desse tema bem. Não temos nenhuma metodologia super específica e absurda para ter chegado nesses números, eu acho que foi mais o compromisso mesmo de ser incorruptível com as metas.
Para quem deseja estruturar uma frente de diversidade, como provar para a empresa que isso não deve ser apenas uma estratégia de marketing?
SOPHIE: Talvez seja demasiadamente simples a minha resposta: não ser uma estratégia de marketing. Tem que ter uma área para isso. No começo da Z1 eu naturalmente comecei a tocar essa parte lá dentro, mas agora temos uma vaga aberta de head de inclusão e diversidade. Inclusive, no começo eu ficava muito apreensiva em falar qualquer coisa sobre isso. Eu era noiada, dizia “gente, não vamos contar o trabalho que estamos fazendo.”
Aos poucos, conversando com pessoas do mercado, entendi que falar é importante porque quando a gente divulga, outras empresas olham, e influenciar o mercado é muito importante. Agora, eu falo “copia o que estamos fazendo! Você tem mais dinheiro, faz o triplo!” Mas não é marketing. Não fazemos estratégia de marketing, não é uma ferramenta para aquisição de clientes. É uma estrutura com metas de diversidade – temos metas de marketing e metas de diversidade. Inclusive, hoje em dia fica muito fácil discernir qual empresa que está alí em junho levantando a bandeira LGBTQIA+, e depois nunca mais olha para isso, das empresas que olham para isso de diversas formas, com conteúdo interno, externo, e quando é de fato uma coisa genuína.
A gente sabe que empresas mais estabelecidas têm muitas pessoas que pensam fora da caixa, mas que às vezes estão ilhadas em áreas diferentes. Como conectá-las e provocar essa mudança em diversidade?
GLENDA: Eu acho que é muito inteligente você utilizar de relações interpessoais e de afinidades para fazer isso. Quando você vem com uma pauta de diversidade, equidade e inclusão, essas pessoas chegam rapidamente até você, entende?
As pessoas começam a falar “nossa, você está fazendo isso? Que legal”. E aí nesse movimento começam a aparecer histórias assim: “Ai, Glenda, ainda bem que você falou disso, você sabe que meu filho é gay?” Ou “Ai, Glenda, que bom que você está abordando essa pauta, você sabe que meu marido é preto e eu já passei por isso e aquilo?”
Você vai descobrindo histórias a partir da vida das pessoas e então coloca nos projetos. Mas é como a Sophie falou: precisa estruturar esse pilar de negócio, e não usar como marketing.
As empresas mais antigas não tinham esse pilar, então você tem que criar processos e definir, por exemplo, quais são os rituais que a gente vai olhar para essa questão. Invariavelmente a gente vai começar nos rituais de RH, não tem como. E aí você vai passando isso e colocando dentro das discussões de negócio. Passa de um grupo de afinidade, né, que só discutia o que estava ruim, e passa a discutir da perspectiva daquele grupo como resolver problemas de negócio. Olha que fantástico isso. A gente diz muito em diversidade que é atacar na frente a emoção e o coração, onde as pessoas se relacionam, mas também atacar pela pluralidade de pensamentos e etc. O que eu faço nas multinacionais é juntar essas duas coisas. E eu sou uma pessoa muito relacional, então eu pego rapidamente por um lado e aí fui construindo do outro.
Vocês comentaram sobre metas e métricas. Como vocês fazem para traçá-las?
SOPHIE: Metas são muito importantes. Cada empresa tem uma realidade e recursos diferentes, né, mas na Z1, para te dar um exemplo concreto, nós trabalhamos com a metodologia de OKR. Uma das nossas missões, e que tem o mesmo peso de dar certo em termos de negócio, é ser uma empresa pioneira em diversidade e inclusão no Brasil. Percebi que muitas empresas traçam metas como “X vagas de trainee e temos que bater uma pequena porcentagem de pessoas minorizadas”. Daí eu pensei: não sei se vai dar certo, mas por que não inverter essa meta? Por que a gente não tenta fazer uma empresa com mais de 50% de pessoas minorizadas? Eu sei que eu tive a oportunidade de começar do zero, eu sei que é muito mais difícil quando já tem uma estrutura, ainda mais em multinacionais, que você tem que fazer um trabalho retroativo…Mas essa, por exemplo, é uma das nossas metas.
Com ela traçada, eu tenho que olhar para muitas outras coisas, como por exemplo: cargos de liderança para pessoas minorizadas – o que acaba sendo um teto de vidro em muitas empresas. Não adianta nada você só contratar pessoas que ganham o menor salário só para preencher esse número. Aqui, também temos uma meta para porcentagem de pessoas minorizadas na liderança.
Outra coisa que vejo é que muitas empresas colocam no espectro de diversidade só LGBTQIA+. A gente quis entender diferenças estruturais na sociedade, então, temos metas gerais, mas daí nos OKRs da área de pessoas e RH, a gente também tem metas quebradas. Por exemplo: porcentagem de pessoas trans, porcentagem de pessoas pretas, e por aí vai. A gente está fazendo esse trabalho há um ano, e diversidade é importante planejar ao longo do tempo.
Um outro exemplo é que nossas próprias metas têm que conversar com tudo da empresa, então nas vagas a gente faz um filtro gigante e nem deixa passar para a próxima fase da entrevista quem não passa pelo filtro de cultura, ou seja, a pessoa que não corrobora com diversidade como nós.
Se a gente identifica que não é um valor para ela, por mais que tenha o melhor currículo do mundo, ela não vai passar.
Só para fechar, recentemente a gente saiu na revista Exame com alguns dos nossos números de diversidade e uma pessoa comentou no LinkedIn algo do tipo “nossa, muito legal o trabalho que vocês estão fazendo, mas e pessoas PcDs?” A gente já estava olhando para isso, mas de fato o nosso trabalho com pessoas PcDs ainda não estava tão bom quanto o trabalho que a gente começou lá no início com pessoas negras e trans. Ou seja, é uma coisa que você tem que planejar ao longo do tempo, e que você tem que comunicar também, porque senão nunca parece que você está fazendo tudo, e ao mesmo tempo não dá para fazer tudo do dia para noite.
Já estávamos com esse plano, mas depois desse comentário a gente falou “não, tem toda razão, e inclusive a gente já tem pessoas PcDs trabalhando na Z1, mas a gente tem que aumentar, botar o mesmo esforço que a gente fez nesses primeiros grupos minorizados”.
Eu acho que o mais importante é fazer esse plano, entender como ele vira uma realidade ao longo do tempo com seus recursos e comunicá-lo, conversar com outras pessoas e por aí vai.
GLENDA: Só trazendo para o lado técnico, a gente fala muito para quem não tem parâmetro nenhum, de olhar a demografia do seu país e tentar criar um espelho para demografia da sua empresa. Aí você pergunta: “Ah, então tá, Glenda, somos em 56% de negros, somos em 52% de mulheres, a gente vai fazer isso aqui dentro, é simples assim?” Não, não é simples assim, até porque existem as interseccionalidades, mas, assim, quais são os programas de mulher dentro da organização? E quem são as mulheres que estão realmente nessas funções? Elas continuam sendo brancas, magras, de cabelo liso, ricas em geral, e que tem um padrão. Então como você traz a mulher preta, mulher com deficiência, mulher trans, para dentro dessa conversa de gênero?
É complexo, mas para quem não sabe de onde começar de jeito nenhum, ter essa visualização de demografia pode ajudar, e aí criar os processos para isso.
O que tem inspirado vocês ultimamente? Livros, séries…
GLENDA: Eu estou em um mergulho de Brené Brown, porque ela fala de empatia. Ela faz uma abordagem do papel da vergonha, o que é a vergonha, e como a gente pode extrapolar isso para a sociedade, escola, empresa…Olha, tem sido incrível. Outro que indico é o livro Factfulness, que é muito legal porque a gente fica falando “ah, mas o que é concreto? Como as pessoas se polarizam…”.
SOPHIE: Eu curto muito o livro Tudo Sobre o Amor da maravilhosa Bel Hooks, que infelizmente faleceu recentemente. É uma autora preta, feminista, mas esse é um livro mais lúdico, em que ela fala sobre formas de amar, como o amor significa coisas diferentes especialmente do ponto de vista de pessoas privilegiadas ou mulheres negras. Ela escreve de uma forma incrível. E de série, eu estou vendo aquela Euphoria. Além de ser super bem feita e um pouco mais de cultura pop, aborda vários temas sobre identidade, preconceito, gênero, que são muito interessantes pensando nas pessoas mais jovens e como o mundo está mudando. Acho legal como a série retrata coisas que antes seriam super preconceituosas, e a trilha também é incrível.
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